domingo, 18 de novembro de 2007

the brave one


Realizador: Neil Jordan
Argumento: Roderick Taylor e Bruce A. Taylor
Ano: 2007
Género: Drama, Thriller
Com: Jodie Foster, Terrence Howard, Nicky Katt


pela primeira vez, a adaptação para português do título do filme - a estranha em mim - parece-me mais adequada que o original. o filme domina-nos desde o início ao fim, brinca com as nossas emoções até à exaustão. a história não é original e os diálogos não brilham (excepção feita aos programas de rádio de erica bain), mas a interpretação de jodie foster prende-nos com a sua genialidade: sentimos a dor daquela mulher, arrepiamo-nos com a expressividade do seu rosto fechado, ficamos em suspenso com os seus silêncios, trememos com as suas explosões de violência. no final, um acontecimento inesperado. e quando as luzes se acendem, fica uma audiência esmagada e colada à cadeira.
é provável que a mensagem do filme cause alguma polémica: será que estamos perante uma apologia à violência, ao fazer justiça pelas próprias mãos? porque é que a morte do noivo de erica nos parece terrivelmente cruel e, ao mesmo tempo, assistimos com alguma indiferença (ou até mesmo satisfação) aos homicídios cometidos por ela? porque o filme apela para os nossos impulsos mais primitivos, porque faz com que sintamos empatia por uma mulher que mata por vingança, mostrando-nos que, de facto, em qualquer momento podemos passar o ténue limite que separa o bem do mal. não me parece que o objectivo seja, de facto, justificar a violência, mas sim retratar a continuidade (e não oposição) que existe entre o bem e o mal, o aceitável e o inaceitável, aquilo que faríamos e aquilo que julgamos sermos incapazes de fazer. não se trata de engrandecer aqueles que não esperam pela lei para fazer justiça, trata-se de questionar os nossos valores, a nossa identidade. até que ponto somos realmente alguma coisa se, em condições extremas, nos deixamos dominar por impulsos desconhecidos, se nos tornamos estranhos para nós próprios? será que existe alguma estabilidade, alguma continuidade em nós, algo que permaneça sempre, independentemente das circunstâncias? ou será a nossa identidade sempre um produto do contexto, e, portanto, infinitamente mutável?

Erica: I always believed that fear belonged to other people. Weaker people. It never touched me. And then it did. And when it touches you, you know... that it's been there all along. Waiting beneath the surfaces of everything you loved.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

the dreamers


Realização: Bernardo Bertolucci
Argumento: Gilbert Adair
Ano: 2003
Género: Drama
Com: Louis Garrel, Eva Green, Michael Pitt


no início, parece uma homenagem ao cinema. depois, um retrato de uma relação (patologicamente) simbiótica entre dois irmãos. mais tarde, um olhar sobre a primavera de 68 em paris. e a verdade é que, no final, não chega a ser nenhuma destas coisas. as referências cinematográficas, literárias e musicais são muitas, mas, na maior parte dos casos, inconsequentes; resultam em diálogos pretensiosos e pouco credíveis. a ideia que está por detrás da construção da relação entre theo e isabelle é interessante e algo invulgar; no entanto, a dinâmica que existe entre estes dois irmãos (e que acaba por incluir matthew) é vulgarizada em cenas desnecessariamente explícitas. não é a nudez que me choca - pelo contrário, há momentos em que esta é bem tratada e torna a cena num momento de beleza pura -, mas sim a necessidade demasiado evidente de a mostrar e, mais ainda, de incluir no argumento pormenores repugnantes. existem, no entanto, momentos bem conseguidos: a conversa entre os 3, na banheira, o pedido incompreendido de matthew (matthew: i want you to say that you love me/theo: we just did!/matthew: no, you said that you loved me too, that's not what i want). os acontecimentos de 68 são, de facto, o pano de fundo desta história, mas o filme acaba por mostrar o lado mais fútil dos acontecimentos: mostra a procrastinação, a falta de objectivos, o culto do prazer, a falta de noção da realidade (father: listen to me, theo. before you can change the world you must realize that you, yourself, are part of it. you can't stand outside looking in.), imaturidade e desorientação ideológica. o melhor momento do filme é a desconstrução que matthew faz das crenças dogmáticas de theo no maomismo e na revolução cultural chinesa (curioso ser o americano a voz da razão e da maturidade..). se é assim que bertolucci nos apresenta os personagens principais, é caso para perguntar: quem são os sonhadores? e com que sonham eles, afinal?

sábado, 10 de novembro de 2007

les chansons d'amour


Realização: Christophe Honoré
Ano: 2007
Género: Musical
Com: Louis Garrel, Ludivine Sagnier, Chiara Mastroianni


a partida, a ausência e o regresso do amor. em paris. a morte, o medo da solidão, a dependência de afecto. uma história invulgar, contada com uma simplicidade e fluidez desarmantes, na qual tudo faz sentido, na qual não há pontas soltas. o filme consegue tornar aquilo que, à partida, causaria estranheza ou reprovação, em algo que segue a ordem natural das coisas. os diálogos cantados são absolutamente deliciosos; as músicas entram no ouvido e ora nos comovem, ora nos roubam um sorriso, graças às verdades simples que transmitem. é difícil escolher um momento: podia ser a rendição de ismael a erwann (o movimento dos corpos totalmente coordenado com a música que cantavam), podia ser o domingo chuvoso em família (um cenário tão simples mas tão bem retratado que quase sentimos o calor e a tranquilidade que enchem o ar daquela casa), podia ser a solidão gritante de jeanne no parc perpignain (et puis..rien.), ou ainda a paixão imatura de erwann contrariada pela resistência de ismael (as tu déjà aimé pour la beauté du geste?). todos os minutos valem a pena neste musical francês (parisino?). no final, um pedido que demora a digerir:ama-me menos, mas durante mais tempo.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

a outra margem


Realização: Luís Filipe Rocha
Género: Drama
Ano: 2007
Com: Filipe Duarte, Maria d'Aires, Sara Graça


a outra margem é um filme de imagens. os planos, as cores e os enquadramentos assumem o protagonismo e, por vezes, falam mais que os próprios personagens. à fotografia irrepreensível, junta-se uma banda sonora magnífica, e uma montagem praticamente sem falhas. de facto, as cenas sucedem-se e fluem tranquilamente, tal como a água do rio tâmega.
a história é contada de uma forma contemplativa, sem tentar transmitir lições de moral. contemplamos a morte, a solidão, a desilusão, os conflitos que criamos e perpetuamos. contemplamos a amizade, a ingenuidade, o amor. os diálogos alternam momentos de grande inspiração (para quem não tem ninguém, o passado faz muita companhia) com outros momentos nos quais, por vezes, roçam o lugar-comum. a nível de representação, o trabalho de filipe duarte é indiscutivelmente assombroso (embora a sua preocupação com o detalhe o leve, nalguns momentos, a exagerar a interpretação). não posso deixar de realçar, igualmente, a intepretação de horácio manuel: magnífica. ainda não me consegui desligar da cena em que o espectador o desespero daquele homem, incapaz de quebrar o seu próprio orgulho, sentado na sua cama, com o olhar carregado de sofrimento. ou das cinzas a serem espalhadas numa planície alentejana (e o amo-te sussurrado, que se perde com o vento naqueles laranjas e dourados). ou do cruzamento das cenas de diversão do Ricardo com o Vasco e da solidão de Maria, ao tear (afinal, quem é que está na outra margem?).
é um filme de pequenos momentos; a vida também o é, na verdade. se tivesse de o definir numa palavra, fá-lo-ia, sem hesitação, com a seguinte: belíssimo.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

genérico


gosto de ir ao cinema. gosto que a sala esteja vazia. gosto de me afundar na cadeira e de sentir o impacto das primeiras imagens, dos primeiros diálogos, dos primeiros sons da banda sonora. quando o filme termina, gosto de o digerir na escuridão, enquanto os créditos finais passam no ecrã. este blog retrata o que permanece. o que permanece quando as luzes se acendem.